A equação das tarifas recíprocas
A derivação e as hipóteses da equação que ganhou páginas de jornais, posts e memes após o anúncio que mudou o mundo.
Após o anúncio das tarifas implementadas no que o presidente dos EUA intitulou como o dia da libertação, em uma tradução livre, o USTR divulgou o racional para o cálculo das tarifas impostas às importações de cada país. A equação que ganhou diversos comentários e memes pode parecer que “caiu do céu”, mas há como derivá-la.
Tarifas para zerar o déficit bilateral
O ponto crucial para compreender o pilar fundamental da política comercial é a lógica mercantilista de que déficits bilaterais são ruins e, portanto, a política tarifária pode ser utilizada para eliminá-los ou, ao menos, reduzi-los. Para isso, precisamos compreender o impacto nas importações de um aumento das tarifas. Ele possui três elementos: a elasticidade-preço da demanda por produtos importados, o tamanho do repasse das tarifas aos preços e o aumento das tarifas. Esses elementos compõem, respectivamente, o lado direito da equação abaixo, ao passo que o lado esquerdo é representado pela variação das importações de um dado país j:
Como o objetivo é o de zerar o déficit bilateral, temos que as importações de cada país j, subtraídas das reduções dos produtos importados decorrentes do aumento nas tarifas, devem ser iguais às exportações (que estão no lado direito da equação abaixo):
Podemos, portanto, substituir a primeira equação na segunda:
E, ao rearranjarmos, obtemos:
A relação “quase-linear” apresentada pelo Financial Times no gráfico abaixo

vem do fato de que, pela equação, as tarifas poderiam, inclusive, ser negativas. Assim, a definição mais correta seria:
Uma vez compreendida a derivação da equação, surge a pergunta: ela faz sentido para subsidiar os aumentos tarifários anunciados?
As hipóteses por trás dessa equação
A equação das definições dos aumentos das tarifas poderia ser vista como uma aproximação dos impactos finais (ainda existem muitos problemas com elas, mas vamos ignorá-los por ora) sob as seguintes hipóteses:
Não haver resposta da taxa de câmbio;
Não haver efeitos de equilíbrio geral;
A elasticidade-preço da demanda se manter constante;
O repasse nos preços se manter constante.
Agora, será que alguém acredita que essas hipóteses vigorarão quando os EUA taxam quase todo mundo? Ou melhor, deixe-me reformular a pergunta: será que alguém fora da Casa Branca acredita que essas hipóteses vigorarão quando os EUA taxam quase todo mundo?
Abordei em post recente que os choques de termos de troca são importantes para explicar as flutuações nas economias emergentes:
Afinal, choques nos termos de troca são importantes para os ciclos econômicos?
Uma das áreas de estudo da macroeconomia diz respeito a como os choques nos termos de troca (a razão entre preços das exportações e os preços das importações) afetam os ciclos econômicos em economias abertas ao comércio internacional e ao fluxo de capitais. Em
Portanto, assim como se questiona a validade das hipóteses da ausência de efeitos de equilíbrio geral na implementação das tarifas, alerto também para os leitores que bravamente chegaram até aqui terem cuidado com a análise das consequências feitas sem modelos de equilíbrio geral. Aproximações podem ser úteis, mas o mundo está muito mais complexo nesta semana do que estava na semana passada.