A inflação está acelerando
Sobre as diferenças entre o comportamento da inflação e dos preços relativos: uma decomposição simples, mas que pode ser útil para entender a dinâmica inflacionária no Brasil.
A inflação é um fenômeno macroeconômico. Reflete o aumento generalizado e sustentado de preços. Ela reflete diretamente a perda do valor da moeda. Mas, para medirmos a inflação, precisamos construir índices de preços. As variações desses índices são acompanhadas de perto por analistas que tentam extrair informações sobre o estado da economia. O problema é que um índice pode variar por dois motivos: por um choque de preços relativos (um fenômeno microeconômico) ou pela própria inflação. Há muita confusão entre esses dois conceitos, o que faz os agentes darem mais atenção a dados pontuais do que a Macroeconomia recomendaria. Por exemplo, o IBGE divulgou que a taxa de inflação de janeiro, medida pelo IPCA, foi a menor desde 1994. A lupa dos analistas vai ser utilizada para investigar quais grupos, subgrupos, itens ou até subitens são responsáveis por esse valor abaixo do padrão sazonal usual para janeiro. Trata-se, portanto, de uma análise de preços relativos. Mas será que o que levou o IPCA a variar pouco no primeiro mês de 2025 foi mesmo resultado de alguma(s) categoria(s) específica(s) - e, portanto, microeconômicas - ou é resultado de uma força macroeconômica (inflação)?
As origens granulares da inflação
Uma forma de tentar capturar tendências subjacentes na inflação é a partir de núcleos. Eles são indicadores construídos para tentar expurgar os efeitos de preços relativos de produtos de maior volatilidade, buscando capturar a tendência do comportamento dos preços.
Inspirados no artigo The Granular Origins of Aggregate Fluctuations, de Xavier Gabaix, publicado em 2011 na Econometria, no qual o autor analisa a importância dos choques idiossincráticos às empresas nas flutuações macroeconômicas, Santiago Alvarez-Blaser, Raphael Auer, Sarah M. Lein e Andrei A. Levchenko estudam a contribuição de choques idiossincráticos para a dinâmica da inflação de diferentes países, em artigo intitulado The granular origins of inflation. Em Gabaix (2011), a hipótese é de que caudas mais “pesadas” na distribuição dos tamanhos das empresas fazem com que os choques idiossincráticos não se dissipem e se mostrem fundamentais para a compreensão das flutuações no PIB.
Seguindo essa lógica, os autores realizam uma decomposição da inflação de cada economia em diferentes componentes: na sua versão mais simples (a que eu utilizo abaixo), temos que a variação do índice de preços seria função de um componente agregado e de um componente idiossincrático. Aqui, vou denominá-los, respectivamente, de inflação e choque de preços relativos, ainda que seja apenas uma aproximação.
Inflação e preços relativos: uma decomposição
Vou tomar uma liberdade (definitivamente não poética) de fazer um exercício de decomposição análogo ao que os autores fizeram. A variação de um índice de preços é dada por:
onde π representa a variação do índice de preços e πi é a variação da categoria i, entre as N categorias do índice, no instante t. Seguindo Santiago Alvarez-Blaser, Raphael Auer, Sarah M. Lein e Andrei A. Levchenko, defina a média aritmética das variações dos preços das categorias como:
Assim, podemos reescrever qualquer variação individual de preço em termos dessa média:
Podemos substituir a definição acima na equação da variação de um índice de preços:
A distributiva resulta em:
Assim, a variação de um índice de preços é resultado da soma do componente macroeconômico com o componente fruto da dinâmica microeconômica.
Resultados
Na falta de acesso aos microdados do IPCA, utilizei os dados referentes às variações dos itens do IPCA (tanto na leitura mensal quanto na sua variação acumulada em doze meses), disponíveis na Tabela 7060 do Sidra do IBGE. Para as variações mensais, a decomposição é apresentada no gráfico abaixo:
Podemos verificar que a menor variação do IPCA para um mês de janeiro desde 1994 foi resultado, fundamentalmente, da mudança de preços relativos. A verdade é que o componente macroeconômico (a inflação em si) acelerou. O gráfico a seguir pode nos ajudar a compreender o papel dos dois componentes para os valores acumulados em doze meses:
No gráfico acima, fica claro que, nos últimos seis meses, o componente macroeconômico tem ganhado espaço. Para verificarmos isso sob outro prisma, o gráfico abaixo apresenta a participação relativa dos componentes na inflação acumulada em doze meses:
O que podemos concluir com este exercício? Primeiro, ao avaliarmos as mudanças do IPCA (ou de qualquer outro índice de preços), devemos lembrar que elas resultam tanto do componente macroeconômico quanto das mudanças de preços relativos. Em que pese estas terem um papel importante na variância do índice, quando pensamos em política monetária, por exemplo, é a inflação que importa. Nessa linha, a decomposição mostrou que a tarefa do Banco Central será árdua. A leitura mais granular da dinâmica dos preços revela que a inflação tem acelerado, ainda que a mudança de preços relativos tenha aliviado um pouco as leituras recentes do IPCA.