Nunca houve tanta incerteza sobre o comércio internacional
Índice de incerteza acerca da política comercial está no seu maior valor e isso tem impactos negativos na economia, mesmo que novas tarifas nem sejam impostas.
O noticiário econômico desde a posse de Donald Trump tem sido inundado com novidades relacionadas à nova orientação da política de comércio internacional. Não há um dia em que, ao abrirmos o jornal, não vejamos a expressão “tarifas” em ao menos um artigo. E para deixar tudo ainda mais confuso, não é que elas tenham sido impostas ou aumentadas, necessariamente. Pode ser que tenham sido suspensas. Ou utilizadas como ameaça. Ou até mesmo revertidas. E pior: por quanto tempo essa decisão durará? Ninguém sabe. É esse o ponto deste texto.
Incerteza sobre a política comercial
Dario Caldara, Matteo Iacoviello, Patrick Molligo, Andrea Prestipino e Andrea Raffo conceberam o Trade Policy Uncertainty (TPU Index) com base na frequência com que termos relacionados à política comercial e à incerteza aparecem juntos em jornais. O gráfico a seguir apresenta a evolução do índice ao longo do tempo:
Obviamente, em outros momentos também houve aumento da incerteza, mas o mundo de Donald Trump é um mundo diferente do que era antes. O final do gráfico acima é impressionante. E sabemos que incerteza não é algo com o qual os agentes (famílias e empresas) lidam bem (e não estou aqui nem pensando nos desdobramentos para as relações internacionais).
E qual será o efeito desse aumento significativo na incerteza acerca da política comercial?
Como a incerteza sobre as tarifas machuca a economia
Em The economic effects of trade policy uncertainty, artigo publicado no Journal of Monetary Economics em 2019, os autores apresentam a metodologia do índice. É interessante notar a mudança dos termos associados à incerteza da política comercial ao longo do tempo:
No artigo, há uma interessante análise empírica relacionando a exposição individual das empresas (por meio das transcrições de conferências com investidores, a fonte dos termos apresentados na figura anterior). O aumento do TPU no nível das firmas resulta em queda do estoque de capital:
Os autores vão além e objetivam compreender os efeitos mais agregados do aumento da incerteza em um modelo de equilíbrio geral dinâmico e estocástico (alerta de autopromoção: para quem quiser iniciar nesse tipo de modelo ou aprofundar os seus conhecimentos, veja os meus dois cursos online pela FIPE) com dois países, empresas heterogêneas, rigidez nominal e outras características, para compreender, de maneira estrutural, como, por exemplo, transmite-se o impacto do aumento da incerteza sobre as tarifas na economia. É importante notar que não é sobre as tarifas aumentarem em si, mas apenas sobre a incerteza.
Três canais se destacam para explicar a queda no investimento, no PIB e nas exportações, dentre outros efeitos macroeconômicos, decorrentes do aumento da incerteza. O primeiro, e menos explorado no artigo, é o canal usual de poupança precaucional. Na dúvida, as famílias postergam seus gastos e acumulam um colchão de liquidez para se protegerem dos efeitos incertos caso as tarifas forem impostas/aumentarem.
Um segundo canal se dá por meio do aumento precaucional dos markups por parte das empresas que operam no atacado. O aumento da incerteza torna o horizonte um pouco “turvo”, dificultando a escolha das empresas no momento de precificar os seus produtos, uma vez que a variância dos preços esperados/desejados pelas empresas aumenta com a incerteza. Assim, a empresa opera de maneira conservadora: não arrisca ter um preço baixo no futuro e já aumenta os markups antecipadamente.
Mas você pode estar se perguntando: por que as empresas simplesmente não aumentam os preços no futuro, caso necessitem? Aí entra o papel dos custos associados aos ajustes de preços (a tal da rigidez nominal): quando há a expectativa de aumento de tarifas, as empresas, quando reajustam os seus preços, já aumentam também os seus markups, para que, no futuro, não sejam pegas “desprevenidas” e com dificuldade para ajustar as suas margens.
O terceiro canal abordado pelos autores é a queda da lucratividade das empresas exportadoras. As empresas varejistas estrangeiras também aumentam os seus markups, o que leva a uma queda nos produtos que elas adquirem (as exportações da economia doméstica). Há, portanto, um ajuste na escala produtiva maior das empresas exportadoras em relação àquelas que não exportam.
Em suma, não é só a implementação das tarifas que possui efeitos negativos na economia — que vão além, inclusive, do que aprendemos em cursos introdutórios. A mera incerteza já machuca.