O multiplicador das entradas e das saídas
Como a interação entre preços rígidos e entrada e saída de empresas tornou a crise da Covid-19 mais intensa.
Que a crise gerada pela pandemia da Covid-19 foi intensa, ninguém duvida. Mas os mecanismos pelos quais os desdobramentos de saúde pública geraram impactos amplificados na economia têm sido amplamente estudados (e continuarão sendo por muitos anos). Em um texto para discussão publicado no final do ano passado intitulado Aggregate-demand amplification of supply disruptions: The entry-exit multiplier, Florin O. Bilbiie e Marc J. Melitz elaboram um canal que amplifica o choque da pandemia: as entradas e saídas das empresas.
Os autores trabalham um modelo teórico no qual o choque gerado pela Covid-19 se assemelha à uma redução na oferta de trabalho (podemos entender isso como aqueles trabalhadores doentes e/ou com medo que deixam de executar a sua atividade laboral, especialmente em setores cuja possibilidade do trabalho em casa é restrita ou, às vezes, nula).
A grande sacada do artigo é colocar junto não apenas preços rígidos, mas também o comportamento das empresas no que tange a entrada e saída delas no mercado, de maneira endógena. A partir dessa combinação, choques de oferta podem gerar quedas na demanda agregada, com um efeito “multiplicador” sobre a queda do produto
Qual é o mecanismo?
Veio a pandemia e, com ela, a redução na oferta de trabalho. As empresas se veem no seguinte dilema: não conseguem aumentar os preços facilmente em resposta aos aumentos nos custos e, assim, percebem-se “maiores do que gostariam”, dada a nova conjuntura. Pense em uma curva de demanda simples: sem alterações no preço e em nenhum outro fator que influencia a procura no mercado, a quantidade não muda, mas as empresas têm custos maiores para produzir a mesma quantidade, sendo que o que elas gostariam é de reduzir essa quantidade. No termo técnico, há uma dificuldade (impossibilidade?) de ajustar na margem intensiva (a maneira, a intensidade como a empresa usa os recursos que possui). Quando o ajuste não vem nos preços, vem na quantidade (ou, de novo no economês, na margem extensiva): cai a quantidade produzida e, com ela, a demanda por trabalhadores.
Para algumas empresas, no entanto, em função dos custos fixos associados à sua atividade produtiva, não faz sentido a redução da quantidade e a melhor opção é sair do mercado. A saída dessas empresas diminui a demanda por trabalho e a produção em uma proporção maior do que se apenas todas as empresas reduzissem a quantidade produzida. Ao mesmo tempo, possíveis novos entrantes se veem desestimulados a ingressarem no mercado, o que adiciona mais um fator para a queda no hiato do produto.
Esses efeitos combinados geram uma diminuição de renda por parte das famílias, o que tem como consequência uma queda na demanda agregada. Assim, um choque de oferta pode levar a uma queda na demanda agregada a partir da interação entre preços rígidos e entrada e saída endógenas. Tudo isso junto (as decisões por parte da oferta e da demanda) torna a recessão ainda mais intensa se comparada a um cenário hipotético no qual os preços fossem totalmente flexíveis (assim, parte das empresas não precisaria sair, poderia apenas aumentar os preços frente ao aumento nos custos).
É importante monitorar o comportamento das diferentes empresas não só dentro dos mercados, para compreender a magnitude de uma crise tão desafiadora. Muita pesquisa nova vai surgir a partir desse evento.