Poder de mercado dos bancos e a moeda digital de bancos centrais
Como a introdução de moedas digitais por parte dos bancos centrais pode aumentar a eficiência econômica e estimular a intermediação financeira.
Cada vez mais bancos centrais ao redor do mundo têm trabalhado em algum projeto acerca de uma moeda digital (CBDC no acrônimo em inglês). No momento que escrevo, já temos 90 moedas em algum estágio de desenvolvimento, sendo que nove já foram lançadas. Em mais uma iniciativa interessante do VoxEU, diversos especialistas se reuniram para discutir esse movimento, suas perspectivas e desdobramentos econômicos, o que culminou no e-book intitulado Central Bank Digital Currency: Considerations, Projects, Outlook. Neste primeiro texto de uma série na qual pretendo expor os pontos de capítulos selecionados, abordo o conteúdo do primeiro capítulo que toca no poder de mercado dos bancos.
Bancos quebram ou são disciplinados?
No primeiro capítulo do e-book, Jonathan Chiu e Francisco Rivadeneyra abordam como a estrutura do mercado bancário é um papel chave para compreender os impactos do lançamento de uma CBDC. Eles assumem o formato de depósitos (veja a discussão sobre esses formatos aqui). Assumindo que os bancos atuem em uma concorrência imperfeita, os mesmos podem auferir um poder de oligopsônio no mercado de depósitos. A introdução da CBDC dá uma alternativa aos agentes na hora de depositar a sua poupança, o que pode vir a tornar o mercado mais eficiente se as taxas de juros da CBDC não forem muito altas. Como? A CDBC pode incentivar a intermediação financeira.
Qual é o mecanismo?
Imagine que o banco central suba a taxa de juros na sua moeda digital. Os bancos (para não perderem a competitividade em captar recursos) se viriam obrigados a aumentar os juros que pagam pelos seus depósitos. O maior volume de depósitos geraria, ao longo do tempo, um aumento da oferta de crédito junto à diminuição dos spreads. Isso poderia, inclusive, ter efeitos positivos sobre o investimento e sobre o PIB.
Note que não estamos abordando um modelo de curto prazo, no qual aumentos da taxa de juros por parte do banco central têm efeitos contracionistas. Os autores utilizam a comparação entre diversos equilíbrio do seu modelo teórico para analisar os mecanismos. A questão é que os bancos teriam que competir por esses recursos e a queda dos spreads diminui a ineficiência da concorrência imperfeita.
Obviamente, se o aumento das taxas de juros for muito intenso e os bancos não conseguirem acompanhar, isso poderia gerar uma perda de recursos de captação dos bancos e desestimular a intermediação financeira. Por isso ressaltei que esse incentivo só vem se a taxa de juros não for “muito alta”. Esse “muito” muda de economia para economia e ao longo do tempo.
Os autores ainda ressaltam que, mesmo em um mundo no qual a CBDC não paga juros, ainda sim poderia ter aumento de eficiência pela redução do poder de mercado dos bancos. Quanto maior for a fração de trocas comerciais nas quais o estabelecimento não aceita papel moeda (compras virtuais, por exemplo), o poder de mercado dos bancos aumenta à medida que eles são os principais ofertantes desse meio de pagamento (claro que as fintechs e outras empresas surgiram e podem diminuir isso, mas sem um ambiente regulatório que estimule esse tipo de empresa, o poder de mercado permanece com os bancos). A CBDC fornece uma alternativa segura e confiável que atua de maneira a “contestar”, no jargão econômico, esse mercado de pagamentos, da seguinte forma: sem a moeda digital, quanto maior a exigência de pagamentos via depósitos, maior o poder de oligopsônio, reduzindo as taxas de juros pagas ao poupador, aumentando os spreads e essa combinação traria uma menor quantidade de crédito em equilíbrio.
Obviamente, existem outros fatores a serem considerados no desenho de uma moeda digital por parte dos bancos centrais e as suas consequências (macro)econômicas e no universo das finanças internacionais e o capítulo do livro que utilizo como base para este texto não é suficiente para cobrir tudo, tampou o restante do livro - cujos capítulos vou abordar nos próximos textos da série - são. Mas é fundamental acompanhar essa discussão porque o ambiente monetário internacional vai mudar e isso vai acontecer logo.