Tarifas elevam a inflação?
Seis elementos importantes para avaliar os efeitos macroeconômicos da elevação de tarifas nos EUA.
A expectativa de que os EUA imponham um aumento nas tarifas de produtos importados trouxe à tona a discussão sobre os impactos desse tipo de política na inflação. Diversos analistas alegam que a inflação aumentará necessariamente, impactando diretamente a política monetária norte-americana e, consequentemente, todas as outras economias. Será? Precisamos distinguir aqui as mudanças nos (i) preços relativos das alterações no (ii) nível de preços e na (iii) taxa de inflação para compreendermos melhor essa questão.
Choque de preços relativos não é inflação
As tarifas devem encarecer os preços dos produtos importados em diversos mercados, o que gera o que os economistas chamam de mudanças de preços relativos. Os preços de produtos comercializáveis nos EUA subiriam em relação àqueles não-comercializáveis. A depender dos efeitos na economia como um todo, as cestas de consumo das famílias poderiam ficar mais caras, isto é, o nível de preços aumentaria, o que, gerando um crescimento temporário da inflação. A dúvida é o que vem após esse primeiro movimento. E é aí que entra a macroeconomia, como nos lembram Diego Comin e Robert Johnson em coluna recente intitulada Tariffs are coming: How trade dynamics will shape aggregate demand and inflation. Inflação é o aumento contínuo e generalizado de preços. É a perda de poder de compra da moeda. Portanto, saímos da esfera setorial/microeconômica e entramos no agregado. Assim, Comin e Johnson nos lembram que devemos avaliar como interagem as mudanças na oferta e na demanda agregada.
Oferta e demanda agregada: quem responde mais?
No primeiro caso, parece direto: maiores tarifas atuam como uma espécie de choque de custos, o que reduz a oferta agregada, diminuindo a quantidade de produtos produzidos em uma economia (o PIB) pressionando a taxa de inflação para cima. Mas há também os efeitos na demanda agregada. Um mundo com menos integração econômica é, provavelmente, um mundo mais pobre (ao compararmos com um cenário em que as tarifas não fossem introduzidas). Isso significa que as expectativas das famílias e, especialmente, das empresas, seriam afetadas negativamente, o que acarretaria uma queda da demanda agregada e, com ela, o PIB e a inflação.
É importante, portanto, analisar qual dos movimentos expostos acima (da oferta e da demanda agregada) possui um peso relativo maior. Comin e Johnson argumentam que isso depende da expectativa sobre a manutenção das tarifas. Se os agentes acreditarem que elas serão apenas temporárias, os movimentos da oferta deverão ser mais fortes do que os da demanda, o que tornaria as tarifas uma política inflacionária (os custos sobem mais rápido do que a queda nos gastos em decorrência da expectativa de um futuro mais pobre, uma vez que não seria uma redução potencial de renda permanente). Caso acreditem que os aumentos tarifários implementados serão permanentes, o pessimismo ganharia força, e a contração na demanda levaria ao efeito oposto.
O aumento de tarifas torna a vida mais cara
Em qualquer cenário, haverá uma elevação no mínimo transitória na taxa de inflação, possivelmente reforçada por outros tipos de movimentos (especialmente se a implementação das tarifas for faseada, o que implicaria em uma sequência de “choques” de custos, cujos movimentos inerciais e aumento da incerteza poderiam propagar e potencializar o aumento da inflação por algum tempo).
Agora, se essa pressão irá se materializar, depende de um elemento-chave, muitas vezes deixado de lado: inflação é sempre uma escolha. A taxa de inflação é resultado da acomodação por parte do banco central. Ou seja, além de avaliarmos se a redução da oferta agregada será mais intensa do que a queda na demanda agregada decorrente do desânimo com o futuro, é importante considerarmos qual será a reação do banco central.
O dilema da política monetária nos EUA
O que o Federal Reserve deveria fazer após o choque tarifário? Podemos recorrer ao artigo The macroeconomic stabilization of tariff shocks: What is the optimal monetary response? de Paul Bergin e Giancarlo Corsetti, publicado no Journal of International Economics em 2023. Veja o dilema: as tarifas mais altas vão impor uma queda ineficiente no PIB: vão distorcer mercados e gerar diminuição na produção; aliás, Bryan Albrecht nos lembra que esse impacto é ainda maior do que ensinamos em cursos de introdução à economia. Se o banco central do país se preocupasse única e exclusivamente com a inflação, a prescrição clara seria aumentar a taxa de juros. Mas e quando esse não é o caso? E quando há também uma preocupação com a atividade econômica?
Bergin e Corsetti analisam dois casos: com e sem retaliação dos parceiros comerciais. No primeiro, os aumentos da taxa de juros seriam necessários para conter os efeitos secundários dos choques tarifários, operando especialmente por meio da apreciação da taxa de câmbio (ou seja, o dólar se fortaleceria). Mas no segundo caso analisado, há uma resposta e as guerras comerciais teriam impacto negativo no PIB dos EUA já no curto prazo. A política ótima, nesse caso, mesmo com aumento da inflação, seria cortar os juros e não aumentá-los! A acomodação seria, portanto, resultado de uma escolha (como eu já havia alertado) por parte do banco central: conter a queda da atividade econômica faria mais sentido do que tentar combater o aumento da inflação.
Claro que a análise acima é normativa (o que o Fed deveria fazer segundo os autores) e não positiva. Ainda assim, pode nos ajudar a compreender o espectro de respostas e os elementos a serem considerados. Além disso, há outros fatores importantes que os autores não consideram nas simulações, como o impacto de uma política fiscal mais expansionista concomitante ao aumento de tarifas, o que gera uma dificuldade adicional à tarefa do banco central, reforçando os pontos já destacados.
Em suma, quando analisamos a literatura selecionada acima, percebemos que (i) em qualquer cenário, os preços dos bens comercializáveis ficarão mais altos (preços relativos), o que (ii) tornará o custo de vida como um todo mais caro (nível de preços); em decorrência desse movimento inicial, (iii) devemos observar aumento transitório na taxa de inflação no curtíssimo prazo. A dúvida é: e depois? Bom, (iv) se o pessimismo com a queda na renda não for maior do que os aumentos nos custos, caso os aumentos dos preços de alguns bens se disseminem pelos demais e o movimento seja generalizado, essa pressão ganha tração no curto prazo com uma queda relativa da oferta agregada. Mas, para que se materialize como aumento da inflação, é preciso que nesse mesmo período, (v) O Fed, seja por não conseguir ou não querer combater integralmente os efeitos das tarifas na taxa de inflação, proporcione algum tipo de acomodação, nem que seja subindo a taxa de juros menos do que poderia/deveria. E isso pode estar associado (vi) à pressões que também existam por parte da política fiscal. O efeito líquido, portanto, parece ser: menos PIB associado e um maior nível de preços, com algum efeito transitório na inflação. Sozinhas, as tarifas não devem gerar aumento na taxa de inflação além de um movimento transitório. É preciso que outros fatores se materializem.