A equação de 33 trilhões de dólares
Como o modelo gravitacional ajuda a compreender os padrões empíricos do comércio internacional.
O que explica as trocas comerciais entre os países?
O estudo do comércio internacional ganhou com Jan Tinbergen, em 1962, um arcabouço que ajuda a organizar empírica e conceitualmente os determinantes das trocas entre economias.1 O modelo gravitacional (que há quem advogue já existir há séculos e remontaria aos escritos de Adam Smith) possui uma capacidade explicativa impressionante. Assim como no caso de dois corpos que se atraem conforme a massa de cada um deles aumenta, mas a atração diminui quando a distância entre eles cresce, o padrão de trocas comerciais pode ser compreendido através de uma relação análoga:2 o comércio é diretamente proporcional ao produto do tamanho das economias e inversamente proporcional às fricções entre elas (como a distância, por exemplo). Uma das muitas formas de representar essa relação é por meio da equação abaixo:
onde as trocas comerciais entre o país de origem (o) e o país de destino (d) são representadas por To,d, o PIB do país de origem é Yo, o PIB do país de destino é Yd e a distância entre eles, Do,d. Há como generalizarmos a equação anterior sem perda da intuição:3
Ainda que em alguma medida possamos interpretar a equação gravitacional do comércio internacional como uma forma reduzida das forças de oferta e demanda que operam no comércio internacional, o que mais me impressiona é que diferentes teorias acerca do comércio internacional preveem uma relação gravitacional desse tipo:

Nas duas primeiras aulas do meu curso de pós-graduação (lato sensu) em Econometria Aplicada, eu utilizo o interessante exercício proposto por Krisna Gupta em Gravity in R: a short workshop como base e faço algumas discussões com os alunos.
A gravidade “ingênua”
Um primeiro olhar para identificar a correlação entre as variáveis mencionadas acima já ajuda a ter a dimensão da capacidade explicativa desse modelo. Uma regressão linear utilizando os dados do ano de 2019 resulta em:
Os sinais dos coeficientes estão de acordo com a intuição econômica: quanto maior o PIB do país de origem (ou de destino), maior o volume de trocas; quando a distância entre os países cresce, diminuem as trocas comerciais entre eles. O resultado impressiona. Apenas com essas três variáveis podemos explicar quase 90% da variabilidade entre as trocas comerciais bilaterais dos países. Não é à toa que essa equação sobreviveu ao seu aniversário de 60 anos.
Fricções no comércio internacional
Mas a análise não precisa parar aí. Podemos adicionar outras “fricções”, como, por exemplo, a participação dos países (de origem ou de destino) na Organização Mundial do Comércio (a OMC; ou WTO, no acrônimo em inglês) e se a língua oficial é a mesma entre os países. Uma maneira de especificar as regressões seria considerando variáveis dummy para esses três casos, conforme a equação abaixo:
A tabela a seguir apresenta os resultados da regressão:
Podemos observar que, em média, quando o país de origem faz parte da OMC, o fluxo bilateral é 1,1% maior do que se ele não fizesse parte. Quando é o país de destino que faz parte, o aumento é de 0,6%, tudo mais constante. Ou seja, de acordo com essa regressão, ao considerarmos constantes todas as outras características dos países, dois países pertencentes à OMC possuem um volume de comércio bilateral 1,7% maior quando comparados a dois países que não aderiram à OMC.
Em um mundo que parece caminhar cada vez mais para uma arquitetura com menos arranjos multilaterais abrangentes e mais barreiras ao comércio internacional, os resultados da regressão acima consistem em limiares inferiores das quedas nas trocas comerciais que podemos vir a observar (frente ao cenário no qual o ambiente internacional preserve as instituições atuais - e que elas sejam respeitadas) em um futuro próximo.4 Ainda que existam considerações de ordem não econômica sobre a liberdade comercial em setores específicos, no agregado, não há muita dúvida de que (i) o impacto do comércio internacional é positivo no PIB e (ii) que ele tem fortes implicações redistributivas que não devem ser desconsideradas, especialmente pelas rupturas sociais que pode estimular. Acordos e remoção de barreiras encurtaram distâncias entre os países. Caminhar na direção oposta possui efeitos negativos significativos, não apenas estatisticamente.
Uma nota de cautela em relação aos coeficientes estimados: J. M. C. Santos Silva e Silvana Tenreyro, em artigo intitulado The Log of Gravity, publicado na The Review of Economics and Statistics, mostram que na presença de heterocedasticidade, os estimadores de regressões lineares “log-log” podem ser enviesados. Eles recomendam o uso de estimadores de Pseudo Máxima Verossimilhança de Poisson. Além disso, no exercício de Krisna Gupta, há o controle por efeitos fixos. Nenhum desses dois tipos de estimadores foi utilizado neste exercício, no entanto.
Finalmente, deixo aqui alguns materiais que podem ser interessantes para aqueles que estão iniciando no universo da modelagem quantitativa do comércio internacional:
Tinbergen, Jan. 1962. Shaping the World Economy: Suggestions for an International Economic Policy. New York: Twentieth Century Fund.
Segundo a lei da gravitação universal formulada por Newton e apresentada na sua obra Philosophiae naturalis principia mathematica, publicada em 1687.
Uma versão análoga dessa equação pode ser encontrada no segundo capítulo de Krugman, Obstfeld e Melitz (2023).
Krugman, Paul, Maurice Obstfeld, and Marc J Melitz. 2023. Economia Internacional: Teoria e Política. 12a edição. Pearson.
Não podemos esquecer que existem (i) outras variáveis que determinam o comércio internacional e (ii) que existem efeitos de equilíbrio geral que são cruciais nessa análise. Por isso, inclusive, que entendo que uma regressão desse tipo oferece um limiar inferior dos efeitos sobre o comércio de práticas mais isolacionistas.
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