A pandemia em modelos DSGE
O impacto da crise gerada pela pandemia da Covid-19 sob a ótica de três modelos: novo keynesiano, novo keynesiano com inércia e em um modelo com participação limitada no mercado financeiro.
Como entender a dinâmica da pandemia e os desafios que surgem após o episódio a partir de modelos já estabelecidos na literatura? Com essa pergunta eu comecei a ilustrar as simulações (estocásticas) que tenho trabalhado com os alunos em alguns cursos online que ministrei neste ano. Embora na semana que vem comece mais um curso (só que de introdução)…
…a minha ideia é falar sobre um ferramental utilizado em outro curso sobre modelos DSGE para aqueles já iniciados. São simulações que foram sistematizadas em um material que logo será circulado como working paper (e vai ser, provavelmente, tema de uma nova newsletter). Quando o texto for divulgado, vou disponibilizar aqui as notas e os materiais para replicação aqui: joaocostafilho.com/research.
No texto de hoje, a ideia é utilizar modelos já estabelecidos e “traduzir” a pandemia à partir de choques que se manifestam nas economias. São exercícios acadêmicos com objetivos fundamentalmente didáticos, mas que podem interessar a quem queira aprofundar esse tipo de análise de diversas outras formas. No futuro, devo escrever algo sobre modelos macro-epidemológicos aqui, mas por ora, fiquemos com três modelos mais simples.
A pandemia em modelos NK
Comecemos com um modelo Novo Keynesiano (NK) simples desenvolvido no terceiro capítulo do livro do Galí.1 Eu introduzi três choques no modelo: um choque na demanda agregada, um choque na produtividade total dos fatores de produção e um choque na oferta agregada (curva de Phillips) semelhante à um choque de custos. O resultado das simulações está aqui:
Note que o modelo capta de maneira bem interessante a dinâmica da pandemia: primeiro, dois choques negativos: na produtividade e na demanda. A consequência: queda do PIB e e das horas trabalhas, o que fizeram com que a taxa de inflação também diminuísse; à partir disso, temos a acomodação da política monetária que resulta em queda dos juros nominais.
Com o advento de vacinação, fim de lockdowns e outros eventos, assumi que haveria após alguns trimestres do início da pandemia choques positivos dos dois tipos descritos no parágrafo anterior. Isso começa a jogar a economia em um território de crescimento mais vigoroso, mas é justamente quando ocorre, fruto da desorganização que pandemia gerou nas cadeias produtivas, um choque de custos (podemos, inclusive, pensar nos desdobramentos da guerra na Ucrânia como outra fonte desse tipo de choque). A consequência é que a taxa de inflação anualizada sobe bastante, bem como a taxa de juros nominal, sem falar da queda no produto e nas horas trabalhadas, como podemos ver no conjunto de gráficos acima.
O que fazer à partir daí?
Em um segundo exercício para o curso, adaptei um modelo simples de três equações, mas com inércia inflacionária, para compreender o que o modelo nos conta sobre a condução da política monetária à partir de uma economia que se encontra fora do equilíbrio, impulsionada pela combinação de choques, por exemplo, como as do exercício anterior.2
O resultado desse segundo exercício encontra-se no conjunto de gráficos abaixo:
Note que a taxa real de juros deve seguir em alta para trazer a inflação para baixo, o que tem custos para a atividade econômica na ausência de algum choque benéfico (como, por exemplo, nas expectativas de inflação). Nessa classe de modelos simples, a desinflação ocorre rapidamente, mas com custo importante em termos de hiato do produto. E mesmo que grande parte da desinflação ocorra em poucos trimestres (nesse modelo), ainda demora algum tempo para que a taxa de inflação volte definitivamente para a sua meta (aqui eu ignorei o fato de que a meta muda no período da simulação para o Brasil).
Pandemia e desigualdade
Tendo entendido a dinâmica da economia em termos agregados, uma pergunta interessante pode ser sobre a composição, sobre a distribuição das perdas e ganhos ao longo das flutuações macroeconômicas durante e após a pandemia, para diferentes tipos de agentes. Foi isso que tentei emular/analisar com um modelo que possui dois agentes que diferem na possibilidade de acessar produtos financeiros e participar der mercados que possibilitem a suavização (e, portanto, proteção) do seu padrão de consumo ao longo do tempo.3
Interessante notar que a dinâmica do produto, em termos qualitativos, não difere muito entre o primeiro e o terceiro exercício. Mas no conjunto de gráficos acima, podemos ter um pouco mais claros tanto os desafios fiscais que se apresentam, uma vez que aquele combinação de choques inicialmente negativos trouxe também respostas expansionistas no âmbito fiscal e, com elas, queda no superávit primário e aumento do endividamento, quanto os impactos heterogêneos, uma vez que, no modelo, os agentes com acesso aos mercados financeiros possuem uma queda menor no consumo, ao passo que a variação é mais pronunciada àqueles com certo racionamento de crédito.
Afinal de contas, sabemos que quando consideramos dois tipos de pessoas, a transmissão de choques e da política macroeconômica é diferente:
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Se quiser que eu faça esse tipo de exercício, mas com outro modelo macroeconômico, deixe nos comentários o link para o .mod file que eu escrevo um novo texto para compararmos as simulações.
Galí, J. (2008). Monetary policy, inflation, and the business cycle. Princeton University Press.
Amato, Jeffery D, and Thomas Laubach. 2003. “Rule-of-Thumb Behaviour and Monetary Policy.” European Economic Review 47 (5): 791–831.
Clarida, Richard, Jordi Gali, and Mark Gertler. 1999. “The Science of Monetary Policy: A New Keynesian Perspective.” Journal of Economic Literature 37 (4): 1661–1707.
Bilbiie, F. O., Meier, A., & Müller, G. J. (2008). What accounts for the changes in US fiscal policy transmission?. Journal of Money, Credit and Banking, 40(7), 1439-1470.