A regulação de ativos digitais: o que pensa o FMI
Cinco pontos que sintetizam como o FMI enxerga a regulação de ativos digitais e mais refências sobre a discussão na instituição.
Há quem acredite que a inspiração (natureza?) emancipatória das finanças descentralizadas faça com que os ativos digitais escapem de arcabouços regulatórios mais restritivos como o das finanças tradicionais.1 Em que pese as dificuldades que os reguladores possuam em acompanhar a inovação financeira, é difícil imaginar que irão apenas assistir as mudanças sem fazer nada.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) vem refletindo sobre a regulação de ativos digitais e algumas publicações ajudam a entender o formato que essa discussão vem ganhando na instituição.
Tomemos, por exemplo, o texto intitulado Regulating the Crypto Ecosystem: The Case of Unbacked Crypto Assets, cujo resumo reproduzo abaixo:
Unbacked crypto assets are the oldest and most popular type of crypto assets, relying not on any backing asset for value but instead on supply and demand. They were originally developed to democratize payments but are mostly used for speculation. Crypto assets were designed to disintermediate financial services, but centralized entities, such as exchanges and wallet providers, offer key functions to users and sustain the necessity of trust in one or several entities. At present, many of these entities are not covered by existing conduct, prudential, or payment regulations and can generate risks to market integrity, market conduct, and potential financial stability. We recommend that global bodies work to develop common taxonomies that can inform global and cross-sectoral standards while improving data insights. Standards should be risk-based, with greater requirements on entities and activities that generate more risk. Crypto asset service providers that deliver core functions and generate key risks should be licensed, registered, or authorized
Parece-me interessante a ideia de que as finanças descentralizadas façam com que, de maneira orgânica, existam ofertas de serviços centralizados em meio às suas cadeias produtivas. E isso é bem importante para compreender a dinâmica do mercado financeiro, seja ele tradicional ou no seu novo formato, seja lá qual ele venha a assumir.
Em Digital Currencies: The Rise of Stablecoins, Tobias Adrian e Tommaso Mancini-Griffoli abordam a rivalidade das chamadas “stablecoins” em relação aos meios de pagamentos mais tradicionais. Em suma, os autores avaliam que
The adoption of new, digital payment methods could bring significant benefits to customers and society: improved efficiency, greater competition, broader financial inclusion, and more innovation. But it could invite risks to financial stability and integrity, monetary policy effectiveness, and competition standards, as outlined in a recent IMF staff paper, the first of a new series of Fintech Notes.
Algo que já podemos perceber é o tradeoff entre eficiência e os riscos à estabilidade financeira, preocupação que não é exclusiva das finanças descentralizadas. Do ponto de vista da eficiência, os autores ressaltam que
The strength of stablecoins is their attractiveness as a means of payment. Low costs, global reach, and speed are all huge potential benefits. Moreover, stablecoins could allow seamless payments of blockchain-based assets, and can be embedded into digital applications thanks to their open architecture, as opposed to the proprietary legacy systems of banks.
De maneira complementar, em Regulating Crypto, Aditya Narain e Marina Moretti refletem sobre o movimento de regulação de ativos digitais, algo natural após o mercado de ter evoluído de apenas um pequeno nicho para algo que hoje tem maiores proporções, mas que, e principalmente, deverá ganhar ainda mais relevância no futuro próximo, o que faz com o que os reguladores tenham que “se mexer” logo. O problema é que, segundo os autores,
Applying existing regulatory frameworks to crypto assets, or developing new ones, is challenging for several reasons. For a start, the crypto world is evolving rapidly. Regulators are struggling to acquire the talent and learn the skills to keep pace given stretched resources and many other priorities. Monitoring crypto markets is difficult because data are patchy, and regulators find it tricky to keep tabs on thousands of actors who may not be subject to typical disclosure or reporting requirements.
Em Crypto Contagion Underscores Why Global Regulators Must Act Fast to Stem Risk, Nobuyasu Sugimoto sintetiza em cinco pontos com o FMI tem visto a questão da regulação de ativos digitais:
Quem for oferecer ativos digitais deve ter uma licença e registro que confiram autorização para a atividade. A entidade entende que isso deve se aplicar tanto à atividades de custódia e liquidação, quanto à transferências por meio de bolsas e oferta dos ativos. Da mesma forma que nas finanças “tradicionais”, faz-se necessária a separação entre os ativos de clientes e da empresa.
Regulação adicional prudencial para as entidades que efetuam múltiplas funções. transparência e diligência são cruciais para evitar os conflitos de interesse e prejuízo às partes mais vulneráveis (geralmente os clientes).
Emissores de stablecoin deveriam ter requerimentos regulatórios adicionais, por precaução. Por quê? As stablecoins têm sido utilizadas como reserva de valor (veja aqui uma discussão sobre ativos digitais e as funções da moeda), o que pode gerar risco à estabilidade financeira. O FMI advoga que uma regulação forte pode ser necessária nesse caso.
Requerimentos mais claros sobre a exposição e engajamento à ativos digitais por parte de instituições financeiras, na linha do que o Comitê de Supervisão Bancária da Basiléia tem discutido.
O FMI se preocupa com a implementação de uma regulação robusta e consistente, além de uma supervisão eficaz para lidar com a natureza intersetorial e transfronteiriça dos ativos digitais. Adaptação à mudanças na perspectiva de risco se faz crucial nesse ponto, além de iniciativas para algum tipo de coordenação entre reguladores de diferentes países.
Em 2023 eu imagino que assistiremos um debate maior sobre a regulação dos ativos digitais. Vamos acompanhando.
Podemos debater se são restritivos o suficiente tanto do ponto de vista extensivo quanto intensivo, mas do ponto de vista relativo, hoje as finanças descentralizadas possuem menos amarras quando comparadas às práticas tradicionais.