Como a política monetária nos EUA afeta as empresas em outros países?
As empresas de economias pequenas são impactadas pela política monetária dos EUA por três canais: o balanço das empresas, a taxa de câmbio e o comércio internacional.
Como os aumento das taxas de juros nos EUA impactam a atividade produtiva de empresas estrangeiras? Essa é a pergunta que motivou Elif Arbatli-Saxegaard, Melih Firat, Davide Furceri e Jeanne Verrier a escreverem o texto para discussão U.S. Monetary Policy Shock Spillovers: Evidence from Firm-Level Data.1
O trabalho é eminentemente empírico, mas acho interessante que eles utilizam um arcabouço bem simples “à lá” Mundell-Fleming, inspirado no texto de Pierre-Olivier Gourinchas, para dar um racional aos resultados econométricos.2
Os autores encontram três canais pelos quais as mudanças na condução da política monetária dos EUA, por meio da taxa de juros definida pelo Federal Reserve, transbordam para outras economias: o canal balanço das empresas, o canal financeiro da taxa de câmbio e o canal comércio internacional.
O canal do balanço das empresas
Em países com livre mobilidade do capital há uma pressão que vem dos EUA e que se materializa em condições financeiras mais apertadas para as empresas estrangeiras quando os aumentos nas taxas de juros norte-americanas levam aos bancos centrais das pequenas economias abertas a responderem na mesma direção, o que gera aumento de juros básicos domésticos e, com eles, os juros de mercado. Assim, quanto mais alavancadas forem as empresas, mais sensível será o investimento por parte delas aos custos para adquirir capital externo.
O canal financeiro da taxa de câmbio
Muitas vezes, aumentar a taxa de juros doméstica não é suficiente para conter a depreciação da taxa de câmbio (porque os custos podem não valer o benefício associado à estabilidade cambial, por exemplo; ou por aumentos concomitantes nos prêmios de risco).
Empresas que usualmente utilizam recursos captados no exterior e possuem passivos externos diminuem seus investimentos e a sua atividade produtiva em geral quando ocorre um aperto monetário nos EUA, uma vez que i) a captação externa está mais cara porque a moeda doméstica enfraqueceu e ii) porque se não estiverem protegidas o suficiente da variação cambial, agora precisam fazer um maior esforço para pagar a dívida já existente.
O canal do comércio internacional
Finalmente, o último canal identificado possui efeitos ambíguos, segundos os autores. Por um lado, a política monetária contracionista pode diminuir a demanda por produtos importados nos EUA (o que eles chamam de efeito do dispêndio, em tradução livre), o que gera uma queda no faturamento das empresas. Por outro lado, no entanto, a depreciação da taxa de câmbio nas economias pequenas torna o dólar mais forte e os produtos dessas mesmas empresas mais atraentes (o que eles chamam de efeito de substituição de dispêndio, novamente em tradução livre).
Obviamente, a magnitude desses “spillovers” vai depender de diversos fatores (dentre eles, as respostas de política econômica dentro de cada país), mas os autores fazem uma primeira abordagem com certas aproximações que sugerem que o canal do balanço é o mais significante para o investimento das empresas.
Em um mundo que vê um aumento sincronizado, ainda que não coordenado, de taxas de juros, as empresas (possivelmente) não terão ajuda doméstica para acomodar esse aperto monetário global. Esses canais ajudam a entender porque há perspectivas nada animadoras para a economia global em 2023 por parte de alguns agentes.
Arbatli, E. C., Firat, M., Furceri, D., & Verrier, J. (2022). US Monetary Policy Shock Spillovers: Evidence from Firm-Level Data. IMF Working Paper, WP/22/191.
Gourinchas, P. O. (2018). Monetary policy transmission in emerging markets: an application to Chile. Series on Central Banking Analysis and Economic Policies no. 25.