Desigualdade, moedas internacionais, crises bancárias e a Grande Depressão
Temas de textos recentes que achei interessante compartilhar como recomendação de leitura desta newsletter.
O VoxEU traz com muita frequência diversas discussões super interessantes sobre os mais diferentes temas da macro e da microeconomia. Destaco aqui quatro textos recentes que tocam em assuntos relacionados à minha agenda recente de pesquisa (a desigualdade) e também nos interesses estabelecidos já há mais tempo (macroeconomia financeira e finanças internacionais).
Desigualdade e crescimento econômico
Afinal, como se dá a relação entre desigualdade e crescimento econômico? Enea Baselgia e Reto Foellmi abordam essa questão com uma proposição interessante: já passou da hora de olharmos além das médias. Em que pese as ressalvas sobre as dificuldades em medir desigualdade e o próprio crescimento econômico, em The inequality-growth nexus: It’s time to move beyond averages os autores abordam a importância de considerarmos os movimentos (tanto de desigualdade, como na variação da renda) ao longo da distribuição, não apenas nas medidas de tendência central. Assim, tanto o desenho das políticas públicas como a análise sobre os efeitos da desigualdade no crescimento econômico podem ser feitos considerando grupos específicos, já que as respostas geralmente mudam a depender do ponto da distribuição de renda (e de riqueza) que se considera. Desigualdade afeta o crescimento econômico? Depende para quem.
Desigualdade e criação de empregos
Como a desigualdade afeta a criação de empregos? Depende do tipo de emprego, ou melhor, do tipo de empregador. Em How income inequality affects job creation at small and large firms, Sebastian Doerr, Thomas Drechsel e Donggyu Lee revelam um canal interessante sobre como uma maior desigualdade se manifesta em uma menor criação de empregos por parte das empresas pequenas.
Quando há aumento na desigualdade, há uma mudança na alocação de portfólio da economia um todo. Em média, as famílias mais ricas aplicam seus recursos proporcionalmente mais em ações do as famílias de mais baixa renda que, quando conseguem poupar, o fazem através de algum tipo de depósito (à vista, à prazo como um CDB ou na caderneta de poupança). Se os mercados financeiros fossem perfeitamente competitivos, isso pouco importaria. Mas eles não são. Assim, empresas maiores podem se beneficiar de recursos alocados no mercado de capitais, ao passo que empresas pequenas só possuem acesso aos empréstimos bancários. Portanto, uma maior desigualdade enviesa a alocação de recursos para empresas maiores, o que desestimula o investimento por parte de empresas pequenas e, consequentemente, a geração de empregos por parte das mesmas.
Moedas internacionais: RMB vs USD
O que faz uma moeda se tornar internacional? Será que o renminbi, a moeda chinesa, terá capacidade de rivalizar com o dólar pelo seu status de moeda do mundo? Barry Eichengreen, Camille Macaire, Arnaud Mehl, Eric Monnet e Alain Naef argumentam em The renminbi’s unconventional route to reserve currency status que se formos responder essas perguntas à luz das experiências da libra e do dólar, dificilmente a moeda chinesa teria um prognóstico de rival à altura da posição relativa da China como segunda maior economia do mundo. Mas talvez o caminho dela seja um pouco diferente, não-convencional, argumentam os autores.
Geralmente, defende-se que há a necessidade de abrir a conta capital e de plena convertibilidade para que uma moeda possa vislumbrar ocupar um papel de protagonismo no ambiente monetário internacional. Isso deveria, inclusive, ser complementado pelo desenvolvimento do sistema financeiro, que com maior profundidade e sofisticação poderia acomodar melhor as necessidades dos fluxos de capitais que têm uma magnitude maior quando a moeda é (mais) global.
A China, no entanto, pode trilhar um caminho diferente. Ao aprofundar as relações comerciais com diversos países e se conseguir estimular mercados offshore para o renminbi, além de criar linhas de swap cambial, poderia contornar a necessidade de uma conta capital aberta, o que alivia pressões junto ao desenho da arquitetura macroeconômica do país, uma vez que escolhida a mobilidade de capitais, sabemos que não dá para sustentar o regime de câmbio fixo e a política monetária independente, como o país tem hoje.
Crises bancárias e Grande Depressão: o Nobel de 2022
Em um belíssimo texto que sai não apenas em defesa dos modelos econômicos e de que a simplicidade dos mesmos pode ser uma força e não sua fraqueza, mas também dos próprios laureados, Paul Krugman apresenta conceitos importantes sobre o prêmio Nobel de Economia de 2022 em The simple economics of panic: The 2022 Nobel Prize in perspective. O texto é, fundamentalmente, uma resposta a críticas como as de Adam Tooze:
Krugman explica como o papel de transformação de liquidez feito por entidades financeiras (bancos ou de outra natureza) pode gerar múltiplos equilíbrios, o que leva a crises financeiras (Diamond e Dybvig,1983), e como isso foi crucial para entender a severidade da Grande Depressão (Bernanke, 1983) e evitar que a crise de 2008 tivesse impacto semelhante.1
Boa leitura!
Bernanke, B (1983), “Nonmonetary Effects of the Financial Crisis in the Propagation of the Great Depression”, American Economic Review 73(3): 257-276.
Diamond, D and D, Philip (1983), “Bank Runs, Deposit Insurance, and Liquidity,” Journal of Political Economy 91(3): 401-419.