A fundamental problem in artificial intelligence is that nobody really knows what intelligence is. (Shane Legg e Marcus Hutter, 2007)
Uma das principais agendas do século XXI é a da regulação da inteligência artificial. Ainda que o seu impacto no crescimento econômico suscite dúvidas - por exemplo, Daron Acemoglu estima aumento de 0,66% na produtividade total dos fatores dos EUA em um período de 10 anos em The Simple Macroeconomics of AI, enquanto Aghion e Bunel mostraram-se mais otimistas em AI and growth: Where Do We Stand? -, a prosperidade econômica inclusiva e disseminada que ela pode trazer não é automática e nem garantida, algo que aprendemos sob a luz da heterogeneidade de episódios históricos de desenvolvimento tecnológico documentados e analisados por Acemoglu e Johnson em Power and Progress.
Para compreendermos os seus impactos nas mais diferentes esferas das interações sociais, precisamos partir do seu componente mais elementar: a inteligência. Aparentemente, a sua definição não é consensual.
Inteligência como habilidade
A definição de inteligência de Max Tegmark em Life 3.0: Being Human in the Age of Artificial Intelligence é:
“[…] the ability to accomplish complex goals”.
Note que essa definição trata sobre habilidade e resultados, mas não sobre a natureza “do resolvedor”. Isto é, essa definição pode se aplicar a uma pessoa inteligente. Ou uma máquina. E mais do que isso. Como nos lembra Anton Korinek no seu curso sobre a Economia da inteligência artificial (IA), os mais diferentes tipos de objetivos implicam em diferentes tipos de inteligência: emocional, espacial, para resolver problemas analíticos e por aí vai.
Korinek nos lembra um outro ponto: um dos elementos cruciais da inteligência é a computação: a capacidade de processar informações e produzir algo com elas. Em Computing Machinery and Intelligence, Alan Turing advoga que “pensar” deveria ser aplicado de forma igual ao que os seres humanos fazem e ao que os dispositivos computacionais inteligentes fazem.
Na busca por uma definição universal de inteligência (e da inteligência das máquinas), Legg e Hutter em Universal Intelligence: A Definition of Machine Intelligence, articulam diversos conceitos sobre o tema, relacionando-os a como a inteligência é avaliada e concluem que qualquer definição deve conter as seguintes propriedades (vou mantê-las em inglês para não perder nada na tradução): valid, meaningful, informative, wide range, general, unbiased, fundamental, formal, objective, universal e practical.
Korinek, em seu curso, nos lembra que o fenômeno inteligência está relacionado a agentes (humanos ou não) e à realização de objetivos, relação que é derivada diretamente da definição de inteligência proposta por Max Tegmark e exposta acima. Ele ressalta, inclusive, que um grupo pode ser visto como um agente, o que dá origem à inteligência coletiva, e que o processo de evolução da inteligência é marcado pela criação de instituições e de sistemas, como o sistema de mercado no qual são organizadas as economias capitalistas e que pode ser visto como possuindo uma forma de inteligência, na medida em que organiza informações tanto do ponto de vista da demanda, como do ponto de vista da oferta, para resolver o complexo problema de alocação de recursos. A personificação desse racional se dá em uma analogia muito utilizada nos estudos de equilíbrio geral, o chamado “Leiloeiro Walrasiano”.
Para lembrarmos da complexidade do problema resolvido pelos mercados diariamente, podemos recorrer a um trecho escrito por Frédéric Bastiat:
On entering Paris, which I had come to visit, I said to myself—here are a million human beings who would all die in a short time if provisions of every kind ceased to flow toward this great metropolis. Imagination is baffled when it tries to appreciate the vast multiplicity of commodities that must enter tomorrow through the barriers in order to preserve the inhabitants from falling a prey to the convulsions of famine, rebellion and pillage. And yet all sleep at this moment, and their peaceful slumbers are not disturbed for a single instant by the prospect of such a frightful catastrophe. On the other hand, eighty departments have been laboring today, without concert, without any mutual understanding, for the provisioning of Paris. How does each succeeding day bring what is wanted, nothing more, nothing less, to so gigantic a market? What, then, is the ingenious and secret power that governs the astonishing regularity of movements so complicated, a regularity in which everybody has implicit faith, although happiness and life itself are at stake?
Quando acordo pela manhã e decido ir à padaria comprar os produtos necessários para o meu café da manhã, não há acordo prévio com o padeiro sobre a quantidade de pães que comprarei. E, como escreveu Adam Smith em uma citação muito veiculada, também não é a benevolência do padeiro que o faz acordar (ainda mais cedo do que eu) e preparar pães caso eu decida comprá-los.1 É o mecanismo de mercado operando para que tanto o padeiro quanto eu estejamos melhor depois que as trocas ocorram.
Agora, sabemos muito bem que falhas ocorrem. Tem dias que a nossa cabeça encontra mais dificuldade para realizar aquelas computações mais complexas, assim como sabemos que a IA pode alucinar e os mercados podem falhar. Lembro aqui que definimos uma falha de mercado quando este, operando sozinho, não gera um resultado compatível com o ótimo social; podemos ver isso de outra forma: os objetivos do mercado e os objetivos da sociedade podem não estar necessariamente alinhados em todas as esferas. Vale para os mercados, para os indivíduos, para as burocracias, para a IA e para a inteligência de grupo: humanos e máquinas podem ser vistos como complementares em muitas esferas (e, obviamente, substitutos em outras): as pessoas nunca conseguirão processar uma enorme quantidade de dados com a mesma capacidade de uma máquina, mas a IA sozinha ainda não consegue superar a combinação pessoa e máquina. Essa combinação, todavia, pode nem sempre produzir resultados alinhados aos interesses sociais, daí toda a discussão sobre regulação que tratarei em textos futuros.
O desenvolvimento da IA é super conectado (sem intenção de imprimir nenhum tipo de trocadilho aqui) com a ciência econômica, não é à toa que Herbert A. Simon (laureado com o Prêmio Nobel de Economia em 1978) é um dos fundadores da IA e John von Neumann, matemático pioneiro na Teoria dos Jogos, tem muita influência no seu desenvolvimento.
Pensar IA é pensar qual é o mundo que queremos hoje (e amanhã). E nós temos inteligência suficiente para escolhermos caminhos prósperos, por mais complexo e nada trivial que seja o problema posto hoje.
https://bigthink.com/the-future/max-tegmark-what-it-will-take-for-ai-to-surpass-human-intelligence/
“Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelo seu próprio interesse.” (SMITH, página 8).
SMITH, Adam. Uma Investigação Sobre A Natureza e Causas da Riqueza das Nações. Tradução e seleção Norberto de Paula Lima. Revisão Maria de Lourdes Appas e Niza Água. São Paulo: Hemus, 1981.