Ociosidades na economia brasileira
Projeções macroeconômicas utilizando um modelo semiestrutural para o Brasil: parte 1.
O Banco Central do Brasil iniciou o ciclo de alta da Taxa Selic na sua útlima reunião e algumas dúvidas sobre a intensidade e extensão do ciclo emergem naturalmente. Uma das formas de tentar organizar os pensamentos sobre o que vem pela frente é a utilização de modelos. Podemos recorrer, por exemplo, à Econometria de Séries Temporais e utilizar modelos do tipo VAR ou VECM (nas suas respectivas formas reduzidas ou estruturais, o que tiver um melhor desempenho para projeções) para formar opiniões sobre os próximos passos da autoridade monetária. Alternativamente, poderíamos utilizar modelos teóricos do tipo DSGE como o nosso “laboratório”. Há uma classe de modelos que está “no meio do caminho” entre eles, os modelos semiestruturais. E é com esse arcabouço que trabalharei neste texto.
Tomemos como base o artigo Monetary policy channels in Brazil through the lens of a semi-structural model, de André Minella e Nelson F. Souza-Sobrinho, publicado no Economic Modelling em 2013. Eu repliquei o modelo com os mesmos parâmetros que os autores obtiveram e projetei o que aconteceria com um conjunto de dados da economia brasileira com o modelo. Os resultados ajudam a iluminar o possível caminho à frente.
Na ata da última reunião do Copom, o colegiado ressaltou que
[e]m relação ao cenário doméstico, o conjunto dos indicadores de atividade econômica e do mercado de trabalho tem apresentado dinamismo maior do que o esperado, o que levou a uma reavaliação do hiato para o campo positivo.
Será que o modelo corrobora essa avaliação? Vamos às projeções.
O hiato do produto não só aumentou, como ressaltou o Copom, como deve seguir em alta por mais alguns trimestres, de acordo com as estimativas pontuais do modelo. O gráfico pode ser visto neste post. Há também uma expectativa de que o aperto monetário dure mais alguns trimestres (veja aqui). Por quê?
Mercado de trabalho
O dinamismo do mercado de trabalho brasileiro não deve arrefecer nos próximos trimestres, de acordo com o modelo. Lembro aqui que as variáveis são expressas como desvio percentual da tendência de longo prazo (e que essa tendência é estocástica).1 Considerei um intervalo de confiança de 95%, representado pelas linhas em cinza.
Ao mesmo tempo que a taxa de desemprego deve permanecer por mais alguns trimestres abaixo da sua tendência de longo prazo, a projeção do modelo é que os salários tenham comportamento oposto e permaneçam acima do seu valor de longo prazo longo prazo nos próximos trimestres. Para o final de 2025, não é possível rejeitar, dado o nível de significância adotado, que a variável voltaria à sua trajetória de equilíbrio de longo prazo, análogo ao que observamos nas projeções da taxa de desemprego.
Capacidade instalada
O mercado de trabalho não é a única fonte potencial de ociosidade. Temos outro fator de produção crucial, o capital. E os índices de utilização da capacidade instalada tentam estimar como ele tem sido utilizado. No gráfico abaixo, ainda que a projeção intervalar tenha uma convergência (estatisticamente) mais rápida que a taxa de desemprego e a taxa dos salários, o modelo projeta que seguiremos com uma utilização acima da sua tendência por mais alguns trimestres.
Em suma, a economia deve permanecer neste final de 2024 e parte de 2025, de acordo com o modelo, com pressão que dificulta a tarefa do Banco Central do Brasil de trazer a inflação para a meta, sem a ajuda da política fiscal.
E o que isso tudo significa para o mercado de crédito? Esse será o tema da próxima newsletter.
Para filtrar as séries, eu utilizei o filtro desenvolvido por Peter Phillips e Zhentao Shi.