Os EUA estão mais pobres
Contas simples sobre o impacto no PIB potencial dos EUA da política de deportação de imigrantes em massa.
Em um mundo razoável, eu não precisaria começar esta newsletter com a ressalva de que, obviamente, analisar os efeitos econômicos da política de deportação em massa, especialmente após as violações de direitos humanos básicos a que temos assistido, não é, nem de longe, a esfera mais importante do assunto. Mas não estamos mais em um mundo razoável, Toto.
Imigrantes e a força de trabalho nos EUA
Paul Krugman escreveu recentemente sobre os impactos econômicos da política de deportação:
No texto dele, inclusive, vocês poderão ver um gráfico semelhante ao que se encontra aqui abaixo. Como ressaltou o laureado pelo prêmio Nobel e ex-colunista do NY Times, aproximadamente 1 em cada 5 trabalhadores dos EUA é imigrante:
Portanto, caso a política de deportação ganhe volume suficiente, estamos falando de um contingente de trabalhadores significativo. Sem essa mão-de-obra, como o país fará para crescer? Simples: não crescerá (tanto assim).
Contabilidade de (de)crescimento
Desenvolvi um exercício semelhante ao do meu texto sobre o crescimento potencial do Brasil:
O crescimento potencial do Brasil realmente aumentou?
Escrevi um texto com o mesmo título deste sobre as minhas ressalvas à hipótese de aumento do crescimento potencial da economia brasileira. Leia aqui antes de continuar.
A diferença está, obviamente, na calibração. Um valor muito utilizado para a economia norte-americana é considerar a participação do capital no produto como um terço. Foi o que eu fiz. Mantive a hipótese de que a participação do capital humano é igual ao valor arbitrariamente definido no texto sobre o Brasil. Essa hipótese torna os resultados “conservadores”, uma vez que, se eu diminuísse a participação do capital humano, mantendo a parcela do capital físico constante, o peso relativo da força de trabalho aumentaria, ampliando o impacto da política de deportação.
Considerei duas dimensões na análise: o percentual de imigrantes deportados e a queda no capital humano. Para este último, assumi um intervalo quantitativo bem modesto: queda entre zero e um porcento. Dá para racionalizar a queda do capital humano, por exemplo, em decorrência da insegurança dos imigrantes que continuarem nos EUA (lembre-se de que capital humano também inclui a saúde, e a saúde mental é um fator crucial; imagine viver com o medo de ser deportado: você acredita que iria produzir da mesma forma?). E mesmo que ignoremos as linhas da tabela com impacto no capital humano, o efeito é considerável. Nesse caso, a queda na taxa de crescimento do PIB potencial dos EUA seria entre 0,07% (em termos anualizados) e 1,41%, no cenário extremo no qual 20% dos imigrantes seriam deportados. A tabela a seguir sintetiza o impacto nas taxas de crescimento do PIB:
Para ilustrar esse impacto, utilizei as projeções do U.S. Congressional Budget Office e apliquei a redução na taxa de crescimento do PIB potencial, assumindo impacto zero no capital humano, conforme a tabela anterior. O gráfico a seguir apresenta as simulações em termos relativos, isto é, 100 representa o valor originalmente projetado pelo U.S. Congressional Budget Office (a linha preta):
Podemos ver que, para o primeiro caso (curva azul), no qual 1% da força de trabalho de imigrantes seria deportada, a queda no PIB potencial real do último trimestre de 2034 seria de 0,7%, o que parece pouco, mas quando percebemos que isso significa quase USD 194 bilhões, deixa de ser desprezível. (E isso é em termos reais!)
Quando 5% da força de trabalho de imigrantes seria deportada, a queda no PIB potencial real do último trimestre de 2034 seria de 3,4%, o que representa USD 956 bilhões. E a conta só cresce a partir daí.
Em suma, a política de deportação em massa de imigrantes, em um país que foi construído por imigrantes, teria o potencial de reduzir em muitos bilhões de dólares o PIB potencial dos EUA (e eu não sou o único a chegar a essa conclusão). Ou seja, os EUA já estão mais pobres. O mundo também está mais pobre.