Poder e desigualdade
Como o aumento do poder de mercado impacta o processo de inovação, o crescimento econômico e a desigualdade.
Dois tópicos cruciais na agenda de pesquisa em economia neste século dizem respeito à evolução da concentração de mercado em economias desenvolvidas e ao aumento da desigualdade nelas. O primeiro está associado, dentre diversos outros fatores, à mudança estrutural na natureza dos bens e serviços oferecidos em economias cada vez mais digitalizadas, onde a existência de mercados nos quais os ganhadores levam tudo (em função, por exemplo, de economias de rede, retornos crescentes de escala e/ou benefícios em ser o primeiro) naturalmente diminuem a competição uma vez que o “prêmio” é obtido.
O segundo tópico diz respeito não somente às dinâmicas de curto prazo em uma economia, mas também às suas consequências de longo prazo. Uma maior desigualdade pode, por exemplo, diminuir o acesso a produtos financeiros por parte de empresas ou pessoas, dirimindo um importante canal de crescimento econômico. Sem falar nos efeitos da desigualdade sobre o acúmulo de capital humano, uma vez que, dado o viés do progresso tecnológico, torna cada vez mais difícil se qualificar para bons empregos. A lista de mecanismos pelos quais a desigualdade impacta negativamente o crescimento econômico vai longe.
Além de suas dinâmicas e consequências individuais, como esses dois elementos estão relacionados?
Markups e os impactos no crescimento, na inovação e na desigualdade
No texto The price of power: Why rising markups hurt innovation and widen inequality, escrito por Giammario Impullitti e Pontus Rendahl e que sumariza os resultados do artigo Market Power, Growth, and Wealth Inequality - de autoria dos mesmos pesquisadores - há uma discussão interessante sobre como os elementos elencados acima interagem. Tudo passa pela natureza da concorrência nos mercados. Para compreender isso, Impullitti e Rendahl simulam o aumento das barreiras à entrada em uma economia e analisam o que acontece na mesma.
Segundo os autores, aumentos nas barreiras à entrada acabam por induzir a diminuição da quantidade de empresas em um mercado e abre espaço para as firmas incumbentes aumentarem os markups sobre os preços, o que impulsiona os seus lucros e, com eles, o valor de mercado das empresas. O crescimento nos preços das ações das empresas gera maior retorno sobre o capital, mas a menor quantidade de empresas e produtos - fruto da menor competição - acarreta um menor crescimento econômico. Essa combinação gera aumento da desigualdade, uma vez que as camadas mais pobres da população têm a sua renda fundamentalmente alicerçada nos ganhos auferidos por meio do trabalho (e, portanto, associados ao crescimento econômico), ao passo que os mais ricos derivam parte importante da sua renda dos retornos sobre o capital.
A queda no número de empresas também prejudica a inovação. O estoque de ideias em uma economia é função do número de trabalhadores dedicados à descoberta de novas formas de produção.1 Além das barreiras à entrada diminuírem a quantidade de empresas e de bens e serviços ofertados, elas também diminuem a produção desse bem público que é crucial para o crescimento econômico de longo prazo.2 Os autores ressaltam que o menor número de empresas enfraquece o compartilhamendo de ideias, elemento fundamental para que o estoque de conhecimento aumente.
A menor competição também impacta os salários dos trabalhadores, uma vez que os markups mais altos geram uma cunha entre o preço do produto e o seu custo marginal. Como a empresa enfrenta uma demanda negativamente inclinada, isto é, quanto maior o preço, menor a quantidade demandada, o aumento dos preços (via incrementos nos markups) deve ser, ao menos parcialmente, compensado de alguma forma: com a queda do salário real. Isso, junto à diminuição do crescimento econômico, reforça o impacto na desigualdade proveniente da menor competição.
r - g e desigualdade: o papel da poupança
Por que o diferencial entre os retornos dos ativos e o crescimento econômico, o famoso r-g é importante para compreender também a desigualdade de riqueza? Porque as motivações da poupança de ricos e pobres é distinta. Os mais ricos poupam, em grande medida, pela chamada substituição intertemporal: optam por trocar consumo presente por consumo futuro porque avaliam que o aumento das oportunidades de consumo no futuro - em função dos retornos que esperam auferir com essa decisão de poupar - compense a insatisfação de não consumir agora.
Já o principal motivo da poupança dos mais pobres é precaucional. Como os agentes são sujeitos não apenas a choques agregados (que por si só já possuem impactos heterogêneos entre as diferentes famílias - e dentro delas), mas também a choques idiossincráticos: um/a trabalhador/a pode perder o emprego mesmo que uma economia não esteja em recessão. Assim, ele ou ela poupa para mitigar os efeitos desse tipo de evento adverso.
Essa diferença é fundamental. Os autores nos lembram que aumento dos retornos dos ativos em decorrência da menor competição influencia a substituição intertemporal, mas tem efeito negligenciáveis sobre a poupança precaucional. Portanto, sob uma menor competição nos mercados de bens e serviços, os ricos poupam mais que os pobres e possuem maiores retornos, o que aumenta a desigualdade.
Em suma, a queda na competição pode ter efeitos no processo de inovação e na desigualdade. As políticas públicas e econômicas devem se atentar para essa interação quando forem desenhadas, implementadas e avaliadas.
Aos interessados sobre os mecanismos do crescimento econômico endógeno, o material de uma disciplina de crescimento e desenvolvimento econômico que eu ministrei está disponível aqui.
Para uma análise sobre os vetores de crescimento de longo prazo, leia o meu texto A insustentável leveza do crescer.
Sensacional!!!