Política monetária quando você não vai à ópera
Como a formação de hábitos altera os impactos da política monetária (e fiscal).
Em qualquer disciplina introdutória de economia, nós aprendemos que as pessoas respondem a incentivos. A dificuldade sempre reside em descobrir como. Além disso, o que é um incentivo para mim, pode não ser propriamente um incentivo para você. E isso tem tudo a ver com política monetária. Com política fiscal. E com a ópera.
Os manuais de economia nos dizem que quando o preço de algum bem ou serviço sobe, a quantidade demanda cai. Mas quem é influenciado por isso? Essa queda é igual ao longo do ciclo econômico? E o que isso tem a ver com a tal da ópera? É aí que entra a literatura sobre formação de hábitos e flutuações econômicas. A Stephanie Schmitt-Grohé e o Martin Uribe têm um capítulo de dicionário econômico interessante sobre como esse tipo de modelo ajuda a entender puzzles sobre o prêmio de risco de ativos a a adequar os modelos (inclusive de natureza neoclássica) ao comportamento observado nos dados. Veja aqui.
Voltando à ideia da formação de hábitos. Inicialmente, para incorporar nos modelos econômicos o que observamos na evidência empírica, que o valor agregado do consumo tem certa persistência ao longo do tempo, assumimos que o total consumido no período passado influencia as suas decisões hoje. É o que chamamos de hábitos externos ou ‘catching up with the Joneses’. Os hábitos seriam formados em relação ao total do consumo, que não mudaria muito e faria com que as famílias fossem se ajustando e mantendo os padrões de vida, suavizando o consumo ao longo do tempo. Mas essa ideia de forte inércia não faz tanto sentido, por exemplo, em recessões, quando sustentar um nível de consumo pode ser um esforço que não vale a pena.
Pode ser, contudo, que nossos hábitos tenham uma natureza mais profunda. Talvez, formemos hábitos a partir de cada produto, não de um valor total, necessariamente. Ravn, Schmitt-Grohé e Uribe, em Deep habits, abordam isso.1 E é justamente com esse arcabouço que entenderemos como a potência da política econômica (fiscal e monetária) pode ser alterada com base na formação de hábitos.
O que os dados mostram? Que após um choque positivo nos gastos do governo, o consumo sobe, assim como os salários e o PIB. Os modelos neoclássicos originais têm dificuldades em reproduzir esse tipo de evidência, uma vez que há um efeito riqueza associado ao aumento dos gastos do governo faria com que o consumo diminuísse.
Como ajustar o modelo, então?
Imagine que as empresas saibam que os seus consumidores formam hábitos, acostumam-se a comprar os seus produtos. Isso significa que, por exemplo, ao baixar os preços hoje, pode aumentar não somente as vendas agora, mas também garantir uma certa base de clientes para o futuro. Assim, a precificação das empresas torna-se dinâmica.
Vejamos como isso impacta a transmissão da política econômica.
Após um corte na taxa de juros, a maior demanda agregada faz com que as empresas aumentem tanto a produção, quanto os seus preços, mas estes menos do que proporcionalmente ao aumento dos seus custos marginais (uma vez que para aumentar a produção as empresas têm que contratar mais trabalhadores, que estão sujeitos a rendimentos marginais decrescentes). Por quê? Porque aumentar os preços em menor proporção hoje significa (poder) obter um lucro maior intertemporalmente, uma vez que os consumidores criam o hábito de comprar com você (e, no futuro, serão menos sensíveis aos aumentos dos preços dos produtos aos quais já estão habituados). A maior demanda por trabalho aumenta o salário real. Tanto salário subindo, como a quantidade de empregados, reforçam o aumento no consumo. Encontramos movimentos qualitativemente semelhantes após um aumento dos gastos do governo (mesmo em modelos de natureza neoclássica!).2
Veja que o mecanismo crucial aqui é que os mark-ups (diferença entre o preço e o custo marginal - ou a diferença entre o preço praticado e o preço socialmente ótimo, é a mesma coisa) variam ao longo do tempo de maneira anticíclica. Ou seja, eles diminuem quando há uma expansão - como no exemplo anterior - e aumentam quando há uma contração da atividade econômica, algo frequentemente observado na literatura. É assim que a política econômica i) pode ter efeitos reais (não precisamos, necessariamente, de rigidez nominal de preços e salários, apenas de markups anticíclicos) e ii) tem os seus efeitos amplificados.
Essa amplificação da política monetária (e fiscal) acontece porque ela não influencia somente o lado da demanda das famílias, mas também o comportamento da oferta agregada, via precificação dinâmica das empresas, impactando diretamente a inflação e a formação da curva de Phillips. Veja, por exemplo, os trabalho de Leith, Moldovan e Rossi em 2012 e 2015 e de Cantore, Levine e Melina com modelos novo keynesianos.3 Neste último, além de multiplicadores fiscais acima de 1 (fruto da amplificação), há a possibilidade de queda no consumo agregado, mesmo com deep habits, caso o desenho da política monetária seja sub-ótimo.
Ou seja, quando você não vai à ópera, esse hábito persiste ao longo do tempo, você não é muito influenciado por uma alteração nos preços de um bilhete da ópera, nem a sua demanda individual por bens e serviços substitutos (ainda que imperfeitos) à ela, e essas empresas sabem disso. Ao não ir à ópera, você amplifica os efeitos da política econômica. E, caso passe a ir regularmente, também. :)
Ravn, Morten, Stephanie Schmitt-Grohé, and Martin Uribe. "Deep habits." The Review of Economic Studies 73.1 (2006): 195-218.
Ravn, M. O., Schmitt-Grohé, S., & Uribe, M. (2012). Consumption, government spending, and the real exchange rate. Journal of Monetary Economics, 59(3), 215-234.
Leith, C., Moldovan, I., & Rossi, R. (2012). Optimal monetary policy in a New Keynesian model with habits in consumption. Review of Economic Dynamics, 15(3), 416-435.
Leith, C., Moldovan, I., & Rossi, R. (2015). Monetary and fiscal policy under deep habits. Journal of Economic Dynamics and Control, 52, 55-74.
Cantore, C., Levine, P., Melina, G., & Yang, B. (2012). A fiscal stimulus with deep habits and optimal monetary policy. Economics Letters, 117(1), 348-353.