Qual é o custo das flutuações econômicas?
Como a heterogeneidade, a histerese e a assimetria entre expansões e recessões impacta o bem-estar social.
Já pensou quanto alguém pagaria para eliminar as variações na sua renda? Claro, todo mundo gosta quando ela aumenta, mas não conheço ninguém que fique feliz quando ela diminui, seja em função de uma escolha própria ou, especialmente, quando a queda ocorre de maneira inesperada. Imagine que você pudesse contratar um seguro que prevenisse isso de acontecer. Agora, coloquemos todos os habitantes de um país nessa situação. Para eliminar as flutuações na renda em termos agregados, quanto nós pagaríamos?
Se tomarmos os resultados do estudo de Robert Lucas que iniciou essa literatura, a resposta seria um surpreendente “muito pouco”.1 O professor laureado com prêmio Nobel em 1995 foi além, e em um discurso em 2003 defendeu que, em função disso, as políticas para a estabilização do ciclos de negócio não são prioridade.2 Mas mesmo antes da maior pandemia em um século assolar o mundo e nos lembrar da importância da tempestividade, arquitetura e coordenação das políticas econômicas, essa tese já vinha sendo questionada.
Todo mundo é muita gente
Podemos resumir os resultados de Lucas em 1987 a partir do arcabouço que é conhecido como agente representativo. Diversos leitores desta newsletter (que deveria ter milhares de leitores, mas vocês não contribuem compartilhando os textos — brincadeira, vocês são ótimos; mas compartilhem os textos) que já tiveram contato com que o chamamos de macroeconomia microfundamentada conhecem a ideia de sintetizarmos as escolhas de certos grupos de agentes (por exemplo, famílias e empresas) a partir do comportamento de um “representante” para o grupo todo, o que seria mais ou menos equivalente a considerarmos o comportamento médio desse grupo.3
Nesse ambiente, a família que sintetiza as escolhas de todos os habitantes de um país sobre quanto consumir, quanto poupar, quanto trabalhar, etc., e essas escolhas estão sujeitas a choques. Sabendo que esses choques irão ocorrer e que isso implicará em mudanças no padrão de consumo, uma ideia seria justamente contratar um seguro e pagar para que essas alterações não ocorram. Ou seja, o que seria equivalente para o agente representativo entre participar “do jogo” e estar sujeito à aleatoriedade e receber (no caso, pagar) com certeza para eliminar essa variabilidade. Nas contas de Robert Lucas, os custos das flutuações nos EUA estavam em torno de 0,1% em unidades de consumo. Assumindo o mesmo percentual para o Brasil (e aproximando a fatia do consumo nas contas nacionais para algo como dois terços da renda), significa que, para cada R$ 1.000 de renda o custo das flutuações seria menor do que 70 centavos.
Tão pouco, por que se importar?
Lembremos aqui que o arcabouço de agentes representativos impede que façamos considerações sobre a distribuição dos recursos na macroeconomia. E a diferença entre os agentes importa, e importa muito (veja aqui um texto que escrevi sobre a política monetária da diferença, devo voltar ao tema dos agentes heterogêneos frequentemente nesta newsletter).
Imrohoroglu estudou a questão formulada por Lucas, mas considerando que os indivíduos enfrentam choques adversos idiossincráticos dos quais não podem se proteger. Ao alterar ligeiramente o arcabouço de estudo, em uma economia muito semelhante, mas considerando agora que ela é populada com agentes heterogêneos, o custo pode subir dos 70 centavos para mais de R$ 10!
Por quê?
Porque as flutuações econômicas não afetam todo mundo da mesma forma. Mesmo que todos sejamos surpreendidos, um choque negativo encontra algumas pessoas com um estoque confortável de poupança que pode servir como certo colchão e amortecer a queda, ao passo que outras pessoas que estariam em uma situação nada confortável e a mudança no padrão de consumo de cada uma seria diferente, bem como os efeitos no agregado (especialmente quando comparamos ao modelo no qual olhamos apenas para uma família representativa). Sem contar que os agentes antecipam que podem ser surpreendidos e serem forçados a “apertar o cinto” subitamente, o que, junto ao fato de que naturalmente não gostamos dessas oscilações (de novo, porque não gostamos das quedas), faz com que as famílias poupem um pouco mais por motivos de precaução e prudência, o que impacta o crescimento do consumo ao longo do tempo, diminuindo-o e, portanto, aumentando os custos das flutuações quando consideramos o quanto de consumo perdemos a partir delas.4
Mas o problema não para por aí.
Quando o curto prazo impacta o longo prazo
JuhaTervala também estudou a questão dos custos das flutuações, mas em um modelo novo-keynesiano (o tipo de modelo que é geralmente utilizado pelos bancos centrais, por exemplo). Mesmo sem considerar a heterogeneidade dos agentes, o custo encontrado é 121 vezes maior do que os resultados de Robert Lucas.5
Qual é o mecanismo? A histerese. Ou seja, o modelo assume que as quedas na atividade econômica no curto prazo deixam marcas no crescimento de longo prazo de uma economia. E essas marcas demoram a cicatrizar. Existem diversos mecanismos pelos quais uma recessão pode resultar em um evento com efeitos mais persistentes, com impacto não apenas o PIB no curto prazo, mas também diminua o crescimento de longo prazo. Por exemplo, imagine que uma queda na produtividade dos trabalhadores. Menor produtividade implica em uma menor produção, dado o estoque de capital de que a economia dispõe. A menor produção leva a uma menor demanda por trabalho, o que faz com que a renda das famílias diminua, reduzindo o consumo agregado. Se essa queda na produtividade permanecer tempo suficiente, isso significa que não apenas houve uma redução no consumo agora, mas que o seu potencial para os próximos anos também foi afetado e isso tem que entrar nos custos das flutuações macroeconômicas. (No artigo, o autor possui uma figura bem interessante: a da visão tradicional dos ciclos e do modelo com histerese).
Notem que as flutuações nem precisam ser muito grandes. No trabalho de Jordà, Schularick e Alan M. Taylor, os autores encontram que, apenas ao observar que o comportamento dos ciclos é assimétrico e não segue uma distribuição normal, as flutuações, mesmo que pequenas, lembram “mini desastres”.6 E esses “mini desastres” geram custos maiores, uma vez que as recessões não são sucedidas por expansões que as compensem (isto é, o PIB cai mais do que sobe depois).
Imagine agora o que acontece com os custos das flutuações macroeconômicas se juntarmos os resultados dos três artigos . Isso sem considerarmos diversos outros estudos da extensa literatura que poderiam ilustrar outros mecanismos pelos quais esses custos emergem (e aumentam o impacto das oscilações).
A economia flutua. Entender os motivos dessas variações já é um desafio intelectual hercúleo e fascinante e compreender o impacto na vida das pessoas é fundamental para entendermos a importância dessa área de estudo e, especialmente, como obtermos o melhor desenho para política econômica (possível) . As prioridades são as pessoas, no curto e no longo prazo.
Lucas, R. (1987). E. Jr. Models of Business Cycles. New York: Blackwell, 1987.
Lucas Jr, R. E. (2003). Macroeconomic priorities. American economic review, 93(1), 1-14.
A macroeconomia microfundamentada — que para alguns hoje é sinônimo do que chamamos de macroeconomia quantitativa — consiste, de maneira simplificada, fundamentalmente, em analisar como as decisões individuais (microeconômicas) impactam as flutuações de curto prazo, o crescimento de longo prazo e a distribuição de recursos em uma economia ao longo do tempo, a partir de modelos matemáticos (geralmente) dinâmicos.
Na literatura, precaução e prudência são motivos diferentes para poupar. O primeiro diz respeito a não gostarmos de variabilidade e o segundo é sobre não gostarmos de sermos jogamos abruptamenteem direção às retrições orçamentárias. Isso daria um novo texto interessante para esta newsletter :). Avisem-me se é um assunto que interessa (e podemos discutir, por exemplo, os impactos nas taxas de juros da precaução e da prudência).
Tervala, J. (2021). Hysteresis and the welfare costs of recessions. Economic Modelling, 95, 136-144.
Jordà, Ò., Schularick, M., & Taylor, A. M. (2020). Disasters Everywhere: The Costs of Business Cycles Reconsidered (No. w26962). National Bureau of Economic Research.