Quando a lousa encontra o mercado: o paradoxo de Simpson na estimação de uma curva de demanda
Exemplo didático de como diferentes tipos de dados podem alterar as conclusões econômicas ao estimar uma curva de demanda, com base no paradoxo de Simpson.
Uma das coisas mais fascinantes de trabalhar com Economia aplicada é poder transitar entre o rigor e inovação que a literatura acadêmica proporciona (e valida) e as aplicações práticas que consultorias e assessorias demandam.1 E o mais divertido é poder trazer os casos explorados nesse contexto não acadêmico para a sala de aula. Foi isso que eu fiz na minha última aula da disciplina de Econometria Aplicada. O objetivo do curso é o de proporcionar um conjunto de ferramentas amplo (dadas as restrições da duração do curso, obviamente) e apresentar diferentes técnicas às alunas e aos alunos. Na aula sobre como estimar uma curva de demanda utilizando variáveis instrumentais, eu fiz um alerta sobre as diferenças nas estimativas que resultam quando se utiliza um conjunto de dados mais agregado em oposição à estimação com microdados.2 Por exemplo, consideremos a estimação da demanda por carne no Brasil. Trabalhos como os de Resende Filho et al. (2012) e Alves Neto e Costa Junior (2023) obtiveram demandas com elasticidade-preço inferior à unidade, ao passo que Travassos (2014) e Travassos e Coelho (2017) registraram o oposto: demandas elásticas em relação ao preço.3
Dispersões, regressões lineares e o paradoxo de Simpson
Fiz um exemplo para ilustrar as diferenças considerando o mercado de carne suína. Por simplicidade, consideremos três tipos de cortes disponíveis em supermercados: alcatra suína, picanha suína e pernil suíno. Simulei aleatoriamente uma base de dados considerando (i) diferentes níveis de interceptos e (ii) diferentes elasticidades-preço para cada uma das curvas de demanda. Para os econometristas de plantão que já passaram os olhos nas regressões e dispersões expostas nos gráficos abaixo e estão gritando “endogeneidade!", assumam que esses preços já foram instrumentalizados e que possamos utilizar os estimadores de mínimos quadrados. Àqueles que podem vir a ficar inquietos com a ausência de variáveis de controle nas regressões, eu digo para não se preocuparem, uma vez que este é apenas um exemplo didático simples e os dados foram gerados considerando apenas a quantidade demandada, o preço e um choque aleatório.
O conjunto de dados simulados pode ser visto no gráfico a seguir:
Ao realizarmos uma regressão linear com esses dados, obtemos uma demanda inelástica:
Para cada aumento de 1% no preço da carne suína, estima-se (com base nesses dados simulados e apenas para fins didáticos) que a quantidade demandada diminua 0,69%. Mas, ao controlarmos pelos diferentes tipos de corte, os resultados são diferentes:
As demandas de cada tipo de corte são elásticas!
Podemos interpretar esse resultado como uma versão do paradoxo de Simpson: os efeitos marginais das variáveis podem se alterar consideravelmente ao controlarmos por outras variáveis, como, neste caso, o tipo de corte. Usualmente, esse paradoxo é ilustrado com os efeitos marginais na direção oposta. Mas aqui, entendo ser suficiente que a oposição aconteça “apenas” na esfera microeconômica (demanda inelástica versus demanda elástica) e não no sinal da elasticidade.
Sim, eu sei que há inovação fora da academia.
Existem diversas abordagens para estimar curvas de demanda, como a Almost Ideal Demand System, a Quadratic Almost Ideal Demand System e o uso de variáveis instrumentais (além da possível combinação desta com as duas anteriores), entre outras possibilidades.
ALVES NETO, João Francisco; COSTA JUNIOR, Carlos Eduardo. Consumo de carnes e comportamento do consumidor no Brasil: uma análise das elasticidades-preço. Cadernos de Economia, v. 23, n. 44, p. 55–72, 2023.
RESENDE FILHO, Moisés de Souza; BUAINAIN, Antônio Márcio; VINHOLIS, Marcelo de Souza. Elasticidades-preço da demanda de carnes no Brasil. Revista de Economia e Sociologia Rural, v. 50, n. 1, p. 49–70, 2012.
TRAVASSOS, Reinaldo de Souza. A demanda por alimentos no Brasil: análise de elasticidades-preço e de renda. 2014. Dissertação (Mestrado em Economia) – Universidade Federal de Viçosa, 2014.
TRAVASSOS, Guilherme F.; COELHO, Alexandre B. Padrão de substituição entre carnes no consumo domiciliar do Brasil. Revista de Economia e Sociologia Rural, v. 55, p. 285–304, 2017.