O que você vai fazer amanhã? A depender do dia da semana e de quem é você, há uma probabilidade não desprezível de que a resposta seja “trabalhar” (resposta esta que poderia indicar, inclusive, pelo seu tom de voz, a obviedade com que você a trata). Passamos grande parte da vida fazendo isso. Portanto, parece natural e importante que nos perguntemos: somos felizes enquanto trabalhamos?
A teoria neoclássica trata o trabalho como algo que diminui a nossa satisfação, a nossa felicidade (ou, no termo técnico, a nossa utilidade). Gostamos mesmo é de consumir e das horas de lazer. Mas para que ambos possam ocorrer de maneira proveitosa e, especialmente, para que possamos adquirir bens e serviços para satisfazermos as nossas necessidades, abrimos mão de horas de lazer em troca de um salário. O trabalho seria, por definição, apenas um mal necessário.
Mas essa não é a única visão sobre o trabalho. Há quem pesquise o chamado bem-estar subjetivo e conclua que o trabalho contribui para a satisfação e felicidade. Pensemos bem. O trabalho faz parte do nosso papel na sociedade e, por vezes, acaba, inclusive, edificando-nos em momentos difíceis (por exemplo, nos piores momentos da minha vida, ter que dar aula me ajudou a lidar com tudo o que estava ocorrendo; ser professor é parte de quem eu sou, da minha identidade).
Essas duas visões contrastantes divergem na comparação, por exemplo, dos efeitos do desemprego. Do ponto de vista neoclássico, não conseguir trabalho pode ser ruim por não ter um salário para obter bens e serviços que eu gostaria, contudo, a minha infelicidade pode ser “diminuída” porque, nessa situação, eu teria mais tempo para lazer. Já do ponto de vista de bem-estar subjetivo, não trabalhar é quase como apagar parte de quem eu sou (pense bem: muitas vezes as pessoas, quando vão se descrever a outras, passam por contar com o que trabalham, independentemente de serem felizes no labor) e, portanto, o desemprego seria acompanhado de infelicidade que não seria proveniente apenas da privação material.
As prescrições dessas teorias são diametralmente opostas. Surge, portanto, uma oportunidade para avaliarmos isso empiricamente. Alex Bryson e George MacKerron fizeram exatamente isso no artigo Are You Happy While You Work?, publicado no The Economic Journal. Mas existem algumas barreiras para identificarmos os efeitos nos quais estamos interessados.
A primeira dificuldade é medir a felicidade. Nos modelos econômicos, (a função) utilidade é algo bem definido, ao passo que o bem-estar subjetivo, não. Mas não para por aí. Os autores elencam pelo menos três tipos de medidas de felicidade: cognitiva, que diz respeito à avaliação global da sua vida por parte de cada indivíduo; hedônica, quando a pessoa avalia momento a momento; e eudaimônica, quando se verifica o senso de propósito, recompensa, enfim, se a vida vale a pena.1
Além disso, Bryson e MacKerron nos lembram que, muitas vezes, esses dados são coletados em retrospecto, ou seja, os indivíduos devem se lembrar de como se sentiam ou como avaliavam certas situações no passado (e a mente pode pregar algumas peças; ou, simplesmente, mudamos a avaliação de como nos sentimos em relação a episódios passados). Há, no entanto, como utilizar uma outra abordagem: avaliar o “fluxo de prazer e dor”, fluxo de felicidade, portanto, dos indivíduos em determinados momentos do tempo.
Mappiness
Como mapear a felicidade ao longo de diferentes momentos (e atividades, por exemplo)? No século 21, isso seria possível se houvesse algo que estivesse presente em (quase) todos os momentos da nossa vida. E há: o celular. Os autores enviaram perguntas aleatoriamente (esse ponto é importante) aos indivíduos que acompanhavam ao longo do dia por meio de um aplicativo e conseguiram compilar uma amostra volumosa de dados.2
Os autores fizeram perguntas sobre como as pessoas se sentiam, se estavam sozinhas e se se encontravam em um ambiente fechado ou aberto; se estavam em casa, no trabalho ou em outro lugar e, claro, o que estavam fazendo. E os resultados são super interessantes.
Acompanhar os indivíduos ao longo do tempo
Talvez a maior vantagem de hoje em dia não largarmos o celular seja que os pesquisadores puderam fazer as perguntas para os mesmos indivíduos em diferentes momentos do tempo. Como todo mundo que já foi iniciado na parte da ciência denominada Econometria sabe, variabilidade e informação são dois pilares fundamentais da análise empírica. E ao acompanharem os indivíduos ao longo do tempo, gera-se informação relevante para utilizar o que chamamos de métodos com dados em painel.
Os autores iniciam por mostrar as características dos indivíduos da amostra, sejam na sua totalidade ou apenas para os empregados:
Dos indivíduos da amostra que estavam empregados, há uma variabilidade interessante em diversas dimensões, como mostra a tabela abaixo:
Agora que conhecemos um pouco a amostra, a pergunta mais importante é: como podemos isolar o efeito do trabalho na felicidade?
Estratégia de identificação
O desenho da abordagem empírica é bem inteligente. Como os indivíduos da amostra recebiam as perguntas aleatoriamente, as atividades que estivessem desempenhando naquele momento provavelmente não seriam decorrentes da avaliação da felicidade naquele momento, embora o contrário possa ser verdade, ou seja, a (avaliação deles da) felicidade daquele momento poderia ser função do que estivessem fazendo e em que condições. Assim, os autores estimaram o modelo abaixo:
onde h é a felicidade do indivíduo i no tempo t e w indica se ele está trabalhando; e representa outras atividades que podem ter sido realizadas ao mesmo tempo. Os betas representam os parâmetros a serem estimados. Como eles acompanharam os indivíduos ao longo do tempo, puderam controlar por efeitos fixos nessas duas dimensões (indivíduo e tempo).
Trabalhar é melhor do que ficar doente
Qual visão está certa: a neoclássica ou a do bem-estar subjetivo? O resultado do modelo corrobora com a primeira: trabalhar diminui a felicidade. Estudar também, de acordo com os resultados do artigo. Das atividades elencadas no estudo, trabalhar só ganha de…ficar doente. É o que mostram os resultados da tabela a seguir:
Mas nem todo trabalho te deixa infeliz da mesma forma. O horário importa, assim como o local e a companhia. Trabalhar no trabalho está associado a mais infelicidade do que trabalhar em casa ou em um veículo. E, aparentemente, ter companhia te faz bem. A não ser que seja o(a) seu(sua) chefe. Aliás, enquanto estiver trabalhando, beba chá e ouça música: isso parece ter efeitos estatisticamente significativos na redução da sua infelicidade no trabalho. Trocar mensagens ou utilizar as redes sociais, por outro lado, já não apresentaram efeitos estatisticamente significativos. É melhor comer e conversar.
Somos infelizes ao trabalhar, portanto? Parece que sim, mas os próprios autores são cautelosos, uma vez que eles mesmos elencaram diferentes tipos de felicidade. Pode ser que, se medirmos algum dos outros tipos, os efeitos sejam opostos. Caso você conheça algum estudo interessante que obteve resultados nessa direção, eu ficaria muito feliz em saber!
Reflexões sobre a vida que vale a pena ser vivida, a partir de diferentes prismas da filosofia, podem ser encontradas neste excelente livro:
de Barros Filho, Clóvis, and Arthur Meucci. A vida que vale a pena ser vivida. Editora Vozes Limitada, 2012.
Em MacKerron e Mourato (2013), os autores explicam isso com maior detalhe. Para mais informações, acesse o site www.mappiness.org.uk.